Semana Santa em Sevilha

terça-feira, abril 11, 2017


Um dos momentos altos da cidade de Sevilha é a Semana Santa, foi inclusivamente declarada de Interesse Turístico Internacional em 1980. No entanto, não se deixem enganar pela palavra “turístico” – a Semana Santa é feita pelos sevilhanos para os sevilhanos, embora haja muitos turistas que a vêm conhecer. 

Resumindo o conceito numa frase: trata-se da comemoração da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, na qual cerca de 70 irmandades vão em procissão desde o seu templo até à catedral, levando consigo imagens esculpidas de Cristos e Virgens em tamanho real, algumas acompanhadas de música. 

Parece algo que só pode ser apreciado por um cristão fervoroso? Não é. 

É arte, música e um sentimento intenso comum a todos aqueles que esperam para ver passar as irmandades. As velas, o cheiro a incenso, os tambores e trompetas - uma experiência que nos transporta, por breves instantes, a outros tempos. 



No primeiro ano em que estive em Sevilha não tinha muitos amigos espanhóis e simplesmente fui para a rua sem muita ideia do que ia encontrar. Ia-me cruzando com irmandades, que me pareciam todas semelhantes, e embora conseguisse sentir ao emoção, não percebia como é que se andava nisto uma semana inteira (no meio de multidões, de pé, com calor de dia e frio à noite). 

No segundo ano já tive guias sevilhanos excelentes, que me acompanharam quase todos os dias e, de repente, achei tudo muito mais interessante. Nos anos seguintes, fui eu a partilhar este conhecimento com amigos de fora que me visitavam. 
"Cristo del Amor" na Plaza del Salvador.

E agora partilho convosco... Aqui ficam os 5 pontos mais importantes para saber apreciar a Semana Santa de Sevilha: 


1. Vocabulário: 

É importante dar nome ao que se está a ver, assim prestamos mais atenção aos pormenores!

- Hermandades e Cofrarias. Muitas vezes se fala delas como sinónimos mas no fundo não o são. Uma hermanadad (irmandade) é a associação de todos os irmãos que adoram uma certa imagem e uma cofraria (confraria) é o cortejo que sai à rua composto por parte da irmandade. Normalmente é uma tradição familiar, se o pai pertence a uma irmandade, é natural que o filho também. 
Loja de Túnicas. Cada hermandad tem a sua insignia e a sua cor. 

- Pasos. São os andores levados pelas confrarias. Algumas têm só 1 paso (a imagem de Cristo), outros dois pasos (normalmente um Cristo primeiro, seguido de uma virgem) e outros três pasos. Nestes últimos é normal que pelo menos um deles seja um misterio, que é quando aparecem mais do que uma imagem por andor – há alguns como "La Cena", em que estão representados todos os apóstolos na última ceia, com mesa incluída! 
Um misterio. "La Trinidad", sábado. 

- Costaleros. Quem vai debaixo do andor e leva os pasos, apoiados na base do pescoço. No principio este trabalho era feito por estivadores do porto mas com o passar o tempo começou a ser considerado uma honra e cada vez há mais candidatos para o fazer. Hoje em dia é bastante complicado conseguir levar as imagens mais importantes, e quem o quer fazer tem de “ter currículo” – começam sendo costaleros das irmandades mais pequenas e vão subindo na carreira! 

- Nazarenos. A imagem mais conhecida da semana santa em Espanha são os nazarenos – vestidos com túnicas largas e capirotes (chapéus pontiagudos) que tinham como objectivo dissimular a identidade de quem saia em penitência. Esta característica de anonimato foi o que levou o Ku Kux Klan a adoptar estas vestes, mas não tem nada a ver uma coisa com outra! Cada irmandade tem túnicas e capirotes de cores diferentes… E podem chegar a custar mais de 1500€! Outra característica dos nazarenos é levarem círios (umas velas grandes) que quando são acesas à noite dão um ambiente um pouco sinistro à procissão. 
Nazarenos com círios.

- Penitentes. São como os nazarenos, mas em vez de círios levam cruzes de madeira, e os seus capirotes não têm a estrutura cónica colocada, pelo que a ponta lhes cai pelas costas. Diz-se que a irmandade dos Estudantes é a que tem mais penitentes, porque levam uma cruz por cada cadeira que lhes falta para terminarem o curso universitário... Há alguns com 4 ao mesmo tempo! 
Os penitentes com as suas cruzes.

2. Truques básicos de sobrevivência 

- O mais importante é arranjar um programa. Existem em papel (nos hoteis, posto de turismo ou quiosques de jornais) e na internet (em pdf aqui), e também várias apps (Paso a Paso Sevilla 2017 ou Semana Santa Sevilla iLlamador). Basicamente, o programa diz onde vai estar cada confraria e a que horas, o que é importante tanto para quem as quer ver, como para quem as quer evitar; Quem vive em Sevilha e quer ir do ponto A ao ponto B durante a Semana Santa, tem de estudar bem o mapa e idear um caminho em que não se cruze com nenhuma confraria, se não quer ficar preso no trânsito pedonal e acabar por chegar tarde! 

- Em Abril existe uma enorme amplitude térmica em Sevilha. Se forem para a rua à tarde com 30ºC, pensem que a temperatura cai abruptamente a partir do pôr so sol e que daí a umas horas podem perfeitamente estar 10ºC. Mochilas grandes com casacos quentinhos!

- Com tanta gente na cidade há autênticos engarrafamentos humanos. Importante levar sapatos à prova de pisadelas, ter cuidado com os roubos e muita paciência. 

- Nos últimos anos há cada vez mais a moda de andar com banquinhos de campismo às costas, para esperar pela procissão “confortavelmente” sentado em vez de ficar horas de pé. É uma boa opção, mas cuidado que há zonas onde sentar-se está proibido. Também há uma zona de cadeiras que se podem alugar, na Carrera Ofinal (por onde passam todas as irmandades a caminho da Catedral), no entanto, é practicamente impossível conseguir uma, mesmo para pessoas de Sevilha.
Cadeiras da "Carrera Oficial", acabadas de montar. São desmontadas todas as noites!

- Durante a semana santa é complicado arranjar um restaurante ou bar que não esteja cheio. É conveniente sair um pouco da zona onde passam a maioria das procissões. Aqui não há sitios milagrosos que vos possa indicar... se virem uma mesa vazia algures aproveitem. Outa opção é levar umas sandes na mochila ou comprá-las na rua, há bocadillos à venda em todo o lado. 

- A noite mais importante é “La Madruga” (a madrugada de quinta para sexta-feira), que é quando saem as procissões mais importantes. É aconselhável dormir uma boa sesta na quinta para ganhar força para a noite, já que é toda uma experiência: a cidade não dorme – os bares e restaurantes abertos, as criancinhas e os avós na rua – às 3 da manhã parece que são 9 da noite! 
Final de quinta-feira santa e principio da Madrugá. "La Quinta Angustia" passa pela Catedral.

- Normalmente os sevilhanos vestem-se de gala durante toda a semana, especialmente no Domingo de Ramos, quinta-feira e sexta-feira santas (nesta última podem ver-se várias senhoras com mantilhas acompanhas de senhores de fato e gravata). Mas os turistas estão desculpados e podem ir vestidos confortavelmente! 

- Prestem atenção à música: quase todos os pasos vão acompanhados de uma banda. Bem, menos as irmandades de Silencio! E as músicas são diferentes dependo de se se trata de um Cristo (trompetas, tambores e melodías intensas) ou de uma Virgem (melodías mais suaves e tristes, com muitos instrumentos de sopro). Há também alguns pasos que levam coros que cantam à capela, tanto de adultos como de de crianças.
Tambores de todos os tamanhos.

3. Melhores sítios para ver as procissões. 

Todas as irmandades têm um grande número de nazarenos, pelo que ficar num sítio parado a vê-las passar não é a melhor ideia, pode mesmo tornar-se um pouco chato. Além disso, há vários “eventos” que se dão em sítios específicos e que são interessantes de ver: 

- Saída / Entrada: Devido ao grande tamanho dos andores, vê-los a sair ou entrar no seu templo é um espectáculo de perícia e habilidade. No entanto, há que ter em conta que se acumula muita gente (para ver a saída da Macarena há pessoas que esperam mais de 12 horas!), e que algumas igrejas estão em ruas fininhas com pouco espaço para tal aglomeramento. 
Sugestão: "Baratillo" na quarta-feira, ou "Montserrat" na sexta-feira. 
Uma saída fácil, já que a porta é bastante mais alta que o paso. "El Santo Entierro", no sábado.

- Saetas: Um canto tradicional religioso que algumas pessoas dedicam aos pasos, normalmente desde uma varanda ou janela. O paso e a música que o acompanha param e faz-se silêncio no público para ouvir o cantor. 
Sugestão: É complicado saber quando alguém decide cantar, mas normalmente cantam da janela da Casa de Pilatos. 
Saeta cantada da janela, dedicada ao "Cachorro (Cristo de la Expiración)".

- Curvas apertadas em ruas estreitas: Pode parecer que numa grande avenida é que é o sitio ideal para ver uma procissão, e tem sentido porque se vê como se aproxima vinda de longe. Mas ver andores enormes pelas ruas de Santa Cruz, quase a bater nas varandas das fachadas e a fazer curvas impossíveis é impressionante. 
Sugestão: "San Bernardo", na quarta-feira, pelas ruas do bairro de Santa Cruz. 
"Jesus Despojado" a sair de uma rua quase tão larga como ele.

 - Petalada: São atirados quilos de pétalas de rosas a algumas virgens de certas janelas. É bastante impressionante! 
Sugestão: Tal como os saetas, é difícil saber exactamente onde isto vai acontecer. Arriscaria dizer na madrugada à "Esperanza de Triana", na entrada da Carrera Oficial (zona de lugares pagos), Calle Velazquez. 
Petalada à "Esperanza de Triana".

 - Sítios especiais: A passagem de Irmandades por zonas de icónicas da cidade, tais como por debaixo do Metropol Parasol (Encarnación), pela Ponte de Triana, pela Praça de Espanha ou pelos Jardines de Murillo. 
Sugestão: "Candelária" na terça-feira, quando volta pelos Jardines de Murillo. No escuro dos jardins notam-se as imagens iluminadas pelas luz dos círios. 
Virgem e Giralda. Um bom sitio para ver, mas que normalmente tem muita gente.

 4. Irmandades a não perder 

- La Macarena. A mais famosa de Sevilha, com maior número de nazareno (são 3000 e demoram 90 minutos a passar). Tem a particularidade de levar os armaos, homens vestidos de romanos. 

- La Esperanza de Triana. A Irmandade mais antiga de Triana, com uma das melhores bandas e dizem que os melhores costaleros – o paso do Cristo inclui um enorme cavalo em tamanho real, que eles fazem “andar” com diferentes pasos ao ritmo da música. 
Esperanza de Triana.

- Gran Poder: Uma irmandade de silêncio, não vai acompanhada de música. O Cristo é das imagens mais antigas e veneradas de Sevilha, podendo encontrar-se azulejos do Gran Poder em várias fachadas um pouco por toda a cidade. 

- El Santo Entierro: As imagens são muito peculiares, sendo uma delas uma enorme esfera que representa o mundo com uma caveira sentada em cima. Parece moderna mas é do séc.XVII! Além disso, nesta procissão vão representadas todas as irmandades. 
O segundo paso do "Santo Entierro".

 - Quinta Angustia: O Cristo de 1659 tem a particularidade de ir preso à cruz apenas por um pano, fazendo que se se mova com cada passo dado pelos costaleros. É o meu preferido!
"La Quinta Angustia"

5. Onde ficar. 

É uma questão complicada. 

Primeiro convém reservar com tempo porque é a altura com maior afluência de turistas e por vezes as taxas de ocupação são superiores a 95%. 

Segundo, convém pensar nas prioridades. Por um lado, se ficarem no centro é mais fácil andarem pela cidade e voltarem para casa a pé de forma fácil. Mas tem a contrapartida de possivelmente ficarem num quarto ruidoso… Como a cidade não dorme também acaba por nunca haver silêncio nas ruas. 
Essa familia vai dormir mal esta noite! "La Amargura" passando por Calle Feria.

Ao escolherem um alojamento mais longe do centro podem garantir uma boa noite de sono (ou uma boa tarde de sesta), mas terão o problema de chegar ao centro da cidade. Durante toda a semana há serviços espaciais de autocarros, e circulam mais táxis, mas também há mais usuários de ambos os serviços… Para além disso, a certas horas há ruas que são cortadas para passarem procissões o que leva a que o trânsito fique um pouco caótico. 

Trazer o carro para o centro? Não aconselho… Estacionar é uma dor de cabeça até para quem conhece! É melhor escolherem um alojamento com parque de estacionamento e não tirarem de lá o carro.
A principal rua de acesso ao centro cortada ao trânsito.



 

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